TRISTEZA
Enfeitando a vidraça de respingos
chove chuva sem ritmo, compasso,
caindo, chovendo, molhando
a tarde cinzenta de tanta agonia
que o dia de triste e acanhado
foi se fechando de escuro calado.
Nariz no vidro encostado,
hálito no vidro estampado,
espera de alguma coisa
que não se sabe o que é,
perdido no ar qual folha que passa
fazendo arruaça no vento bordado
de outras sem graça, de verde perdido,
de bobo alarido pros olhos de tédio,
sem jeito ou remédio pra alma cansada,
molhada de chuva e desenganos.
Sob o sol europeu que botou a palidez de fora,
quem me diz as horas, quem me fala do tempo?
Não sei se parou ou morreu.
Um amarelo triste somou-se ao dia
com jeito de sono e de coisa sofrida
que mau curtida restou de ressaca
pra dor de cabeça que não passa,
sentada na cara da gente,
demente, com olheiras e molduras,
como as penas mais duras
do que se conta em mil rosários;
por preces vertidas pros cantos,
por medos e espantos que não há
canção que possa ninar.
E veio a noite de estrelas negadas
e de horas caladas que ouço passar
com passos macios, nos fundos tapetes
com tantos macetes pra lixo guardar.
Enfim a manhã-aurora levando
embora amarguras e dias sem acontecer.
Veio cantando, contando que a lida
prossegue pra gente não enlouquecer.
Veio como um sorriso dourado e pleno,
esquecido de tudo pra sorrir que vida é boa,
tem pena da gente e voa
com toda a pressa de acabar.
B. Horizonte, 12.06.1973
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