Dona Dulce era minha vizinha há mais de 30 anos.Ontem ela morreu com mais ou menos 90 anos. Hoje vou me despedir dela.
Falávamos muito pouco como hoje é comum nas grandes cidades. Ainda assim, havia uma simpatia recíproca. E antiga. Nós nos encontrávamos quase que diariamente na passarela de nosso prédio: eu entrando e saindo a toda hora, ela em sua caminhada matinal ou vespertina, quieta, suave, sempre com a seu terço na mão num ritual manso e elevado.
De vez em quando trocávamos um dedo de prosa. Sempre amenidades ou então comentários sobre nossas netas muito amigas.
Sempre me impressionou a suavidade de sua presença miúda: a voz baixa, serena e um tom de quem conversa com anjos. Sempre achei que Dona Dulce conversava com eles.
Às vezes, sem que ela notasse, eu a olhava caminhando, pra lá e pra cá, como se caminhasse sobre ovos. Passos miúdos, no ritmo do terço, da conversa com Deus ou com os seus auxiliares de asas.
Dona Dulce era um anjo de pessoa. E assim vai ficar em minha memória, em meu coração e em minha mente. Ela nunca soube de minha admiração e até de uma certa inveja. Porque foi leve e suave como um dente de leão entregue à brisa. Doce como a imagem de um beija-flor pairando sobre alguma cheia de aromas e pólen. Humilde e quieta como as suas orações ditas no ouvido de Deus.
Dona Dulce era um anjo. E se foi para compor as hostes do Pai que, com certeza, ontem a recebeu no portal do céu com um beijo no rosto.
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