Texto a propósito de email de minha irmã Regina, sentindo-se deslocada no mundo de hoje:
Este mundo não existe mais , mana. Eu me recordo que era exatamente assim que acontecia. Quantas e quantas vezes não recebemos em nossa casa em Oliveira Fortes e Santos Dumont os amigos de nossos pais. E era exatamente como o autor do email descreve: a mesa posta, as quitandas, o café coado na hora, as broas e bolos quentinhos. E o papo animado, as crianças - nós e as dos vizinhos visitantes brincando conosco, ou fazendo amizade com os novos, antes de iniciarmos as brincadeiras. Destes últimos, ficávamos amigos, como se já nos conhecêssemos de longa data. Era o tempo sem televisão, computador, jogos eletrônicos e outras distrações que só separam as pessoas, enfurnadas em suas casas tristes, sem convívio, papo na calçada. Sem prosa ao lado do braseiro do fogão de lenha, à noitinha, porque todos dormiam cedo. Foi-se o tempo das rezas, dos terços no mês de maio. Da camaradagem , do compadrio saudável e desinteressado. Da amizade e da consideração. Tempo em que as pessoas se davam sem contrapartidas, compensações e interesses.
Enfim, foi-se o tempo que nós vivemos e do qual não nos desprendemos. Porque somos assim antiquados, demodées, fora de época. Graças a Deus, mineiros apegados aos valores verdadeiros, intensos e quietos. Guardiões dos tesouros do coração, que não reluzem o brilho falso das aparências, dos modismos e modernismos inconsequentes, consumistas e mundanos.
Vivemos o mundo de hoje. Um mundo no qual dá até vontade de morrer. De tédio, amargura e desilusão.
Quando é que a humanidade vai aprender que bom é ser simples como o caipira, ali de cócoras, elaborando seu "cigarim de paia" com o vagar da perfeição, à beira do caminho a contemplar a vida, os poentes, o canto dos pássaros. Dando bastarde e basnoite a todos, conhecidos ou não; sábios porque não se desperdiça cumprimentos... afinal, somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai que nos guarda, governa e ilumina.
O mundo, mana querida, perdeu a inocência, a pureza e a simplicidade. Perdeu-se...descarrilou...
A maria-fumaça já não apita na curva enquanto derrapamos nos caminhos asfaltados, caindo nas ribanceiras à margem de nossa vidas apressadas.
Ninguém contempla mais as noites. Ninguém suspira mais sob a lua cheia. Ninguém faz serenatas. As madrugadas são tristes. Resta o silêncio e almas vazias a perambular pelos shoppings, sacolas cheias de ilusões embrulhadas em celofanes multicores.
Restam os namoros ficantes. Os amores sem a eternidade de mãos dadas. Restam os beijos extratores de amídalas que não sabem do vulcão de um selinho roubado, das faces rubras de pudor. Resta a sofreguidão dos motéis e muito pouco do erotismo de uma noite insone a virar-se na cama à simples lembrança das coxas coladas no baile de ainda há pouco.
Restamos nós perdidos na balbúrdia do mundo moderno, assistindo à sofreguidão por conquistas fúteis e imediatistas; almas penadas a vagar por ruas e avenidas. Multidões mecânicas em busca de status, cargos e postos conquistados à custa de esperteza, troca de favores, oportunismos e subserviências.
Resta a banalização da vida. E a violência cotidiana. As quadrilhas institucionalizadas nos parlamentos. A ignorância patrocinada e o assistencialismo oportunista.
Enfim, mana querida, o que será de nós tão anacrônicos ? Corremos o risco de sermos expostos em museus. Corremos o risco de sermos olhados com pena ou piedade pelo homem moderno rindo de nossa cara aparvalhada, com resquícios de farelo de broa de fubá no canto da boca, ouvindo música com harmonia, sobraçando bouquet para as amadas e amados. Patéticos, alienados e perdido no passado sem graça, sem celulares trimestrais, falando um português correto e preservando valores ridículos.
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