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18/07/2014

Oi, pai. Hoje você faria 93 anos. Espero em Deus que aí em cima o senhor esteja à margem de um rio caipira. Mascando aquele ramo azedinho que colhíamos. Se o paraíso existe nos moldes das nossas fantasias, o seu há de ser assim...Tardes de um sol suave e morno. Rios preguiçosos, cheios de curvas serpenteando com preguiça entre encostas floridas e bambuais. Um rio assim como como este que eu imagino pra você. Como o rio formoso, lá de Oliveira Fortes, em cujas margens você nadava, pescava e, mais tarde, homem feito, contemplava e era induzido a meditar. Você dizia (bem me recordo) que aquela morosidade das águas rumo ao mar distante nos ensinavam muitas coisas: a paciência, a brandura e o entendimento da inexorabilidade do tempo fluindo sem pressa para algum lugar. Se o céu existe nos moldes da nossa fé, o seu tem pássaros de todas as cores e canções. Paz. Uma paz que os mortais não suportariam de tão plena. Campos verdes a perder de a vista. Brisa. Somente brisas, porque elas são como orações. Você dizia que nada era mais suave do que este vento criança. Assim como as orações, no silêncio dos quartos a sussurrar nos ouvidos de Deus nossas súplicas e agradecimentos. Aí no seu céu, pai, espero que você reencontre todos os seus vivos queridos: o Zé Rosa, seu preto velho, misto de brisa e oração, de tão suave, marido de sua ama de leite, Maria do Céu e pai do Geraldo Rosa, seu melhor amigo agora de eternidade. Se existe um céu, pai, tomara que você esteja nele. Acredito que o Senhor o mereceu. Sempre foi um homem de coração hospitaleiro às aflições dos amigos. Seus defeitos foram muitos, mas acredito que no tribunal celeste sua defesa não tenha tido muito trabalho para livrá-lo do fogo do inferno, como dizia vó Glorinha, sua mãe e minha vó querida, com a ênfase típica de uma devota de todos os santos. Você me ensinou muitos valores e virtudes. E entre todas, uma em especial: ver o próximo como um igual. Já que não era possível amá-lo com a si mesmo, considerá-lo um igual era meio caminho andado para o exemplo e o pedido de Jesus. Se assim procedesse, eu seria um homem justo e honrado. Nada mais era necessário. Todas as virtudes se resumiam na prática deste entendimento. Antes que eu me esqueça, meu velho, espero que as serenatas façam parte das benesse aí das alturas. E que a lua só tenha a fase cheia. E que entre as flores reine a dama da noite - nosso aroma predileto - perfumando amores diferentes e maiores do que possa imaginar nossos corações mundanos. Talvez amores dedicados ao Pai que certamente entende que o amor dos homens se manifesta com música terrena e limitada, mas cheia de semelhanças com o amor que Ele ensinou. E que hajas noites de maio, mês de Maria e a coroação Dela por anjinhos precocemente resgatados do vale de lágrimas. Tomara que o paraíso faça muitas concessões à mineiridade. Se o Jardim do Éden tiver fogão de lenha, torresmo de barriga, uma pinguinha da cabeça, broas, tarecos, brevidades, biscoito de polvilho e forno de barro, o céu é mesmo um paraíso. Aí, meu velho, como se diz aqui embaixo, este é o lugar para se ir de mala e cuia. Se o senhor já estiver de camaradagem com os santos ou, queira Deus, com Ele mesmo, veja como é que anda a minha contabilidade. Peça a Ele para me ajudar na melhoria dos meus lançamentos. De modo que, quando chegar a minha hora, ele alivie os meus passivos e dê um upgrade nos meus ativos. Assim, quem sabe, nos encontremos para sempre.

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