- NO TEMPO DO NASH
Quando moramos - eu e minha família- na Rua do Ouro, em Belo Horizonte, no final dos anos quarenta, era festa saber que íamos passar o dia na casa da Tia Áurea.
“Domingo, vamos lá ao Hermínio”, papai avisava alegre.
De bonde, com uma breve passadinha no Parque Municipal para dar comida aos macacos (um quase arrancou meu dedo, uma vez), andar de carrocinha de bode e se divertir com os patos no lago artificial.
(na foto, Nilo, eu e Cristina)
Num bar de mesas redondas e tampos de mármore branco na Avenida Afonso Pena, papai tomava uma cerveja com amigos enquanto a gente saboreava uma novidade: picolé de coco com cobertura de chocolate, enrolado em papel celofane. O irmão mais velho do Eskibon.
“Picolé de papel elefante”, minha irmã sempre pedia, provocando risos.
Ficávamos aflitos para chegar logo àquela casa de muito jardim e quintal com mangueiras, em Lourdes, ao lado do Minas Tênis.
Lá, como sempre, acompanhados o tempo todo das deliciosas guloseimas da competente cozinheira Prima.
Saudade dela. Como cozinhava! A vida inteira dedicada aos meus tios: chegou mocinha na casa e criou todos os primos. Só saiu quando Deus chamou.
De vez em quando, um passeio no Nash 49, azul escuro-brilhante, com a meninada no banco de trás,
Tio Hermínio ao volante, o cachimbo sempre aceso no lado da boca, conversando sem parar com meu pai. Não paravam de dar risadas.
Casos novos e antigos de Boa Esperança, no sul de Minas, para onde a gente se mudou em seguida e vivemos uma época inesquecível, no começo dos anos cinquenta.
Como se fosse um conto de fadas, com a benção das tias, Augusta, Helena, Marinha, Branca, Marília, Dora e Celina.
Todas nos adulando muito e sempre carinhosas com minha mãe, Luisinha, que nunca se esqueceu daquele tempo gostoso de receitas de doces cristalizados e mil jeitos de se fazer arroz com suã.
Para nós, meninos, o paraíso.
Pescarias no Rio Grande, passeios inesquecíveis pelas velhas estradas de terra circundando as serras e os cafezais das fazendas: ou no Ford 29 do Tio Pacheco ou na baratinha (Chevrolet 33) do Tio Gigico. O porta-malas abria-se todo, virando um segundo banco de trás, onde nos amontoávamos, primos e primas, o vento frio da Serra da Boa Esperança batendo nos rostos felizes.
Depois, mudamo-nos para Montes Claros e perdemos um pouco do contato.
Da casa do Tio Hermínio da Rua Espírito Santo, em Belo Horizonte, meu pai, Aluízio, continuou trazendo as notícias. Dos filhos, dos netos, nascimentos e casamentos, sempre com aquele seu jeito entusiasmado, não poupando rasgados elogios à inteligência e bondade do querido irmão mais velho, principalmente na sua gloriosa carreira na medicina.
Com o maior orgulho e todos os detalhes!
Anos depois, quando vim morar em Belo Horizonte, voltei a ver o velho tio, com alguma assiduidade.
Conversas afetuosas de tio e sobrinho, onde sempre, a meu pedido, contava os casos que eu ouvia no banco de trás do Nash.
Era quando me transportava no tempo e me via dando as mesmas risadas com ele e papai, como se fosse em 1949. - Fernando Antônio de Carvalho Adorei o seu texto, Patrícia. Ele me fez voltar no tempo e reviver algumas passagens idênticas às vividas por você.
Em vez do picolé embrulhado em "papel elefante", eu e minhas irmãs, pedíamos quebra-queixo e sorvete de baunilha.
Contávamos os dias para as férias chegarem. De férias, direto para a fazenda de vovô, em Oliveira Fortes, Minas. Em vez do Nash, aboletávamos em um Jeep Wyllis e seguíamos sacolejando pela estradinha de terra de pouco mais de 30 Kms, partindo de Santos Dumont. O melhor era que todos os primos cumpriam a mesma rotina todos os anos, de dezembro a fevereiro. Éramos 7 ao todo: eu, minhas duas irmãs e os primos Álvaro, Edna, Tadeu e Júlia Márcia. E mais 3(Chiquinho, Salomé e Glorinha), que moravam em Oliveira Fortes. Bastava caminhar 1,5 Km para chegar à fazenda de vô - o vetusto Coronel Francisco Ferreira de Carvalho(Chico Marciano para os íntimos).
Eram quase 90 dias de pescaria, nado no Rio Formoso, expedições pelas matas das redondezas, brincar de fazendeiro com currais feitos com pedacinhos de bambu cortados exatamente do mesmo tamanho, bois, vacas e bezerros feitos com sabugos de milho. A ponta do sabugo era o bezerro. O dinheiro eram as folhas de café - verdinhas e brilhantes. Toda noite, após os pique-esconde, brincadeiras e cantigas que não existem mais, os casos de assombração do Vicente, agregado de vô. As 9 horas em ponto, vô mandava desliga a luz da fazenda. Todo mundo para as quartos. Camas rústicas e colchões de palha. Hora de reviver os casos assombrados do Vicente e das apostas para ver quem teria coragem para ir à cozinha.
Farra e zoeira, até vô dar um espalho e mandar todo mundo dormir.
Os almoços e jantares maravilhosos eram feitos pela nossa "Prima", a Lourdinha, que nasceu na fazenda e lá morreu sem cozinhar para outra família que não fosse a nossa. Enfim, querida, nossas lembranças têm muito em comum.
Recordações de um tempo em que se vivia de verdade, sem as ilusões consumistas do mundo de hoje. Nossa infância foi maravilhosa e tenho muita pena das garotada de hoje com seus computadores, celulares e leptops. Passam o dia com os olhos vidrados nos aparelhos em vez de pescar, ouvir os contos da Carochinha, brincar na enxurrada, jogar bolinha de gude, empinar papagaios, brincar com bonecas de paina, pular corda, jogar pião, queimada. Pé no chão, descalços, livres, leves e soltos, com a hora de chegar em casa determinada pela hora do almoço e do jantar. Nossas "casas" com quintal, portas e janelas sem trancas, muros altos e cerca elétrica. Nossas vidas em nosso país ainda rural, com cheiro de terra molhada; religioso, ordeiro, pacífico. Um Brasil perdido no tempo da inocência, simplicidade e romantismo.
Antes que eu me esqueça, você citou Boa Esperança e ai mais uma coincidência: meu futuro genro é de lá. Vou te encaminhar um acontecido(verdadeiro) sobre Boa Esperança: uma bela história que quase ligou minha família a de meu futuro genro.
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