Oi, pai.
Hoje faz 37 anos que você partiu.
A saudade de você agora dói menos porque o tempo - este bendito lenitivo - vai transformando a dor em uma saudade diferente de todas as outras.
Ela é perene mas a cada dia, mês e ano que passa, ela vai decaindo de agonia de uma dor quase física para dor, luto e, por fim, aceitação.
Não sei como as pessoas reagem, afinal as sensibilidades diferem; as vidas em família são mais ou menos conturbadas, de modo que alguns vestem a alma de preto, em profundo luto, outros sofrem como mães e outros tantos das maneiras mais imprevisíveis.
Comigo acontece de um modo diferente.
Ficou passeando pelas décadas, em cada fase de nosso convívio e vou extraindo de cada fase o melhor, em um garimpo de alegrias, momentos marcantes e inesquecíveis, boas risadas e outras tantas situações gravadas indelevelmente em meu coração de manteiga.
Nós dois, ouvido colado no rádio, acompanhando a apuração da eleição de JK.
O primeiro Fla x Flu, em 1957 (2 x 1 para o Flusão), na primeira ida ao Rio de Janeiro e deslumbramento menor porque já sabia que existiam cidades maiores do que Juiz de Fora.
A semana seguinte, já na fazendo de vô, com a família toda reunida para ouvir no rádio a final do campeonato e a surra que tomamos do Botafogo (6 x 2) com o Garrincha deitando rolando e colocando Paulo Valentim (5 goals) na cara do Castilho. Minha primeira dor por ser tricolor.
Sempre que lembro do senhor sorrio por dentro e rememoro os meus 5 anos, quando buscava o Correio da Manhã na estação de Oliveira Fortes, meio caminho entre Santos Dumont e Mercês. Saudade da piranguinha com suas deslumbrantes marias fumaça encantando os meus olhos de menino.
Daí para a nossa casa, voando para lhe entregar o jornal e interromper sua leitura a cada minuto, perguntando que letra é essa? E essa mais aquela juntas? Assim aprendi a ler com o professor mais paciente do mundo.
Lia de carreirinha e senhor não perdia a oportunidade, todo pimpão, alardeando para que o seu pimpolho era um "danadinho".
Minha primeira viagem para Juiz de Fora e o meu deslumbramento com a cidade que julguei a maior do mundo - tal o choque de sair de uma cidadezinha para uma metrópole com mais de 150 habitantes.
A hospedagem no Hotel Imperial com telefone no quarto e armários com espelhos na porta. Um luxo!
Lembro do salão de almoço com as mesas forradas com um toalhas brancas como asas de anjos, e sobre estas outras vermelhas em diagonal. Garçons de terno e gravata, aquelas baixelas maravilhosas e mais de 30 comidas diferentes.
Mais uma do baú de saudades: o dia que te apresentei ao senhor a minha Maria e o seu espanto ao comentar comigo onde eu tinha descoberto aquela miss. A empatia imediata entre o senhor e a minha Maria.
Amava morar em Oliveira Fortes, mas quando o senhor disse que mudaríamos para Juiz de Fora, cai das nuvens. Nem em meus melhores sonhos infantis poderia imaginar que iria morar naquela cidade do outro mundo.
O veio de lembranças é extenso e tem ouro para uma minissérie global. Mas não sem antes os seus conselhos e exemplos de honestidade e honra.
Entre dois maiores de conduta e honradez, dois são dois everestes: a descoberta do desfalque na agência da CEF em Santos Dumont e os envolvidos, em vez de punidos, foram apenas transferidos para outras agência no interior. Neste imbloglio, quiseram transferi-lo também, alegando que assim o preservariam de qualquer suspeita relativa ao golpe. Sua indignação com a inversão de valores, quando o razoável seria promovê-lo por merecimento e pronta ação contra os larápios, Resumo da ópera trágica: o senhor pediu demissão em caráter irrevogável, não retornando à agência, por sua conta e risco, já no dia seguinte.res
O choque veio mais tarde, quando adolescente, num triste dia, o senhor me acordou cedo pra irmos ao principal cartório da cidade, mãe junto conosco.
Eu era o varão, o mais velho, entre minhas duas irmãs e precisava começar a encarar a vida de frente e aprender com os seus erros.
Fiquei mais perdido do que cego em tiroteio quando o senhor disponibilizou todos os seus bens para os seus credores (agiotas) em razão de sua falência: a fazendo do Formoso, há séculos na família, que o senhor tanto amava, onde nascera e fora criado. E principalmente a nossa CASA que, por direito, à época, poderia ser salva do espólio por ser um bem de família. Nem a nossa bela casa foi poupada para que o senhor honrasse seus débitos com os gafanhotos.
Supressa enorme quando os agiotas, incrédulos com a sua dignidade, abriram mão de nossa casa vendida mais tarde em outra crise financeira.
Após a falência e a perda de um pedaço do seu coração - a Fazendo do Formoso - o senhor nunca mais foi o mesmo e foi sucumbindo à erosão da tristeza mais do que ao efeito inapelável e destrutivo ação do tempo.
Todos os seus defeitos foram eclipsados por seu conceito de honra. Esta honra e comportamento ético acima de tudo foram marcados a ferro em brasa meu caráter.
Acima de todos os conselhos a meus filhos, incuti neles a noção de HONRA, tão duramente incorporada em minha vivência à duras penas.
Fernanda, Adriano e Antonella, meus filhos tão amados, seguem pela vida percorrendo a trilha da HONRA, imunes às tentações do ganho fácil e oportunista
O canto da sereia nunca enebriou meus filhos e o seu exemplo de vida bem que merecia um brasão de família com a legenda HONORIS SEMPER.
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