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06/11/2021

 Divagando

Quando eu era menino, nos anos 50, todo garoto sonhava com um coldre e um belo revólver. Os meninos pobres pulavam de alegria se ganhassem este conjunto de plástico barato. Os remediados saíam pelas ruas com as pernas arqueadas, cara de mau, ostentando revólver e coldres da Estrela. Um degrau acima, e a arma era de espoleta, com tambor e tudo. Os riquinhos tiravam onde com réplicas perfeitas de um Colt 44 ou 45, com cartucheira repleta de balas, laço de couro amarrando o conjunto à perna para permitir o saque rápido diante diante do terrível pistoleiro vestido de preto, chapéu com adorno de prata e um ramo de capim displicentemente mascado em flagrante atitude de deboche.
Daí a pouco começava o tiroteio. Mocinhos contra bandidos no saloon, desfiladeiros e pradarias do velho oeste. E tome tiro.
- Morreu...
- Não morri, não. Tô ferido.
Ninguém matava, ninguém morria.
Não havia a patrulha ideológica e o porquê do cenário americano em vez dos sertões brasileiros. O faroeste ianque só tinha um rival à altura: Jerônimo, o herói do sertão. Todo santo dia, às 6 da tarde, de segunda a sexta, nas ondas curtas da Rádio Nacional, a molecada sossegava o facho e grudava no rádio para curtir as aventuras do nosso herói e de seu fiel escudeiro, o moleque Saci.
O roteiro e o cenário do próximo duelo ou tiroteio generalizado dependia do próximo capítulo do seriado preto e branco no cinema da pracinha, produção B ou C, domingo de manhã. Ou então de um clássico, eventualmente, estrelado por Roy Rogers, Hopalong Cassidy, Zorro e Tonto. Neste caso, a fila do cinema dobrava a esquina enquanto a troca de gibis agitava a fila.
Desesperada, a mocinha pedia socorro. O bandidão acendera o pavio e o rastilho da banana de dinamite ia diminuindo inversamente proporcional ao aumento da gritaria no cinema. Melhor ainda se caravana em círculo era cercada por trocentos mil índios. Tensão, agonia até que o som metálico da corneta anunciava o 7o de Cavalaria. Nuvem de poeira no horizonte.
Bang, bang e mais bang bang. Milhares de bang bang. Ninguém recarregava as armas. Cada tiro era um índio que caia. De vez em quando um sioux a galope saltava sobre um soldado. A machadinha ou a faca fazia o serviço. Nem uma gota de sangue. Morria-se simplesmente.
Pipoca voando, histeria, xingamentos.
Na saída, muita cara de mau. Pernas arqueadas e a mão semi-aberta rente ao coldre para qualquer eventualidade.
E assim passaram os anos. Outra época, outras gerações.
Criança com arma de brinquedo? Nem pensar... jogo eletrônico de guerra, pode.
Antigamente a violência era no varejo. Hoje, no atacado, subliminarmente corrompe corações e mentes. A garotada pratica em casa para a violência do dia a dia.

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