Queria voltar no tempo. No meu tempo. E dividir com os de hoje um pouco de tudo que vivi. Por mais que os hoje tenham os confortos e as maravilhas da tecnologia, queria que experimentassem as emoções de minha época.
Se eu tivesse uma máquina do tempo, além da que existe dentro da minha cabeça, eu os transportaria para os anos de antigamente.
Seriam meus convidados para um baile à meia-luz no clube de uma cidade do interior. Com "orquestras", mesas forradas com lindas toalhas e arranjo de flores envolvendo um vela acessa.
Ouviriam novelas no rádio, construindo as cenas na imaginação, com mais emoção do que podem oferecer todas as TVs tela plana de não sei quantas polegadas.
Convidaria a todos para colocar as cadeiras nos passeios, por volta das 5 da tarde. E bater papo com os vizinhos, conversar fiado, falar de política e das crianças, da vida, da fé e de tudo mais um pouco.
Aos domingos, os levaria a uma sessão de cinema. Talvez tivéssemos que esperar pela sessão das 8, porque a das 6 certamente estaria lotada. Não sei se os filmes lhes agradaria, com muito romance, belas músicas, aventuras e muito tiro - mas tiro que não derramava litros de sangue. Morria-se nas guerras, mas sem as mutilações dos filmes modernos. No meu tempo não precisava de tanto realismo sádico. A morte de um soldado ou de um mocinho era uma morte como todas as outras. Mas a emoção era maior porque preservava a cara bonita do ator ou da atriz. A morte não chocava, embora houvesse clima de velório no cinema, arrancando lágrimas nas moças e nos rapazes prevenidos com seus lenços a disfarçar emoções. Assim como o beijo era um selinho suficiente para que umas e outros não dormissem naquela noite.
Dançaríamos em autênticas festas juninas, levantando muita poeira nos bailes pé-no-chão, nas ruas ou quintais das casas. Uma sanfona bem tocada era o quanto bastava para a animação noite a dentro. As quadrilhas eram caipiras e a gente não precisava de fantasia. Éramos naturalmente caipiras.
Se voltássemos um pouco mais, na infância, enturmaria todos, meninos e meninas, nas respectivas disputas de bolinha de gude, na roda de pião, nas aprumadas de papagaio, pelada ou queimada, enquanto minhas irmãs pulariam corda, pulariam amarelinha, jogariam bibloquê ou brincariam de boneca. Vocês ganhariam um ou mais cachorros e não precisariam se preocupar com eles. Os banhos eram com sabão de cozinha e a comida os restos da mesa do almoço e do jantar. Nada de lojas pets e mil produtos.
Vocês seriam mais religiosos no meu tempo. Porque a fé era simples e talvez este seja o mistério da verdadeira fé. Acreditava-se sem questionamentos, sem teorias desta ou daquela libertação. Não havia a pretensão de se entender ou explicar o que não estava ao alcance de nossas inteligências. As procissões eram silenciosas e as orações, coerentes, eram rezadas com o coração. Olhávamos para a noite estrelada e a imensidão do cosmo nos revelava a força e a energia que havia criado naquele despropósito de grandeza. A fé, em suma, era um sexto sentido. Onipresente. Reveladora.
Nosso país era pobre. Não haviam estradas, eletrodomésticos, computadores, I-fones, copiadoras 3D, TV, shoppings centers e outras comodidades e confortos para mascarar uma qualidade de vida péssima. Pouco nos bastava. E mesmo o povo mau remunerado e muitas vezes explorado, pelo menos tinha uma casa humilde com quintal, galinhas, hortas e um sistema público de saúde que, pasmem, funcionava através dos institutos por categoria profissional.
Dormíamos com portas e janelas encostadas. A violência ficava restrita aos filmes bang-bang. Crimes hediondos eram raros mesmo nos grandes centros. E quando aconteciam eram material de reportagem por meses nas grandes revistas da época(O Cruzeiro e Manchete). Bandidos famosos(raros) usavam uma Colt 45 ou um 38. Havia corrupção. Sempre houve, mas comparada a praticada hoje, nivelariam nossos corruptos aos ladrões da galinha.
O Brasil era simples, feliz, ordeiro e religioso.
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