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15/07/2021

 VACINAS

Odete tinha suas prioridades. E entra elas a última era tomar a vacina contra o covid.
Não que desaprovasse a vacina "salva vidas". Ao contrário contava os dias para chegar a sua vez, mas, contraditoriamente, com muita relutância.
Quarentona, solteira, Odete era uma bela balzaquiana, ainda nos trinques, vaidosa, e por mais que negasse, sonhava com um príncipe pilotando um Bentley ou Mercedes.
Por menos não deixava...
Tentou tomar a sua vacina na faixa etária dos 30 anos, mas não colou. A enfermeira questionou a sua idade. Odete jurou de pé junto que completaria 30 ano semana que vem.
- Sem comprovação com a sua carteira de identidade a senhora não será vacinada.
- Senhora não, senhorita... Esqueci a identidade em casa... Confie em mim. Por que razão iria mentir?
- Infelizmente não dá...
Odete foi a vários postos de saúde com a mesma lenga-lenga e nadica de nada de vacina.
Lá com os seus botões matutou: "Digo pra Deus e o mundo que tenho 29 anos... Se tomo a vacina na faixa dos trinta, tudo bem. Senão...
Todo mundo me conhece e minha idade será revelada. Mas de jeito nenhum vou dar mole para as minhas amigas - todas invejosas com a minha boa forma - modéstia à parte.
Na última e derradeira tentativa, no posto sei lá das quantas, em vez das costumeiras enfermeira, foi atendida por um médico boa pinta, com um quê de Clark Gable, olhos verdes tipo Robert Taylor, alto, espadaúdo. E solteiro segundo o burburinho da mulherada ouriçada, de olho no bonitão.
- Senhora Odete?
- Senhorita, Doutor.
- Não me diga!... Como a senhora... senhorita pode ser solteira? Os homens desta cidade estão cegos?
- Odete caiu de quatro. Trêmula balbuciou: São os seus olhos verd... olhos, doutor.
Risos... (Os de Odete nervosos, para dizer o mínimo)
- Qual o seu nome, Doutor?
- João.... João Fontoura, às suas ordens, senhorita.
Doutor João já avaliara as fartas ancas, o belo colo e a boa forma de Odete.
- A conversa está muito boa, mas vamos ao que a trouxe aqui. A senhorita já comprovou a sua idade e endereço com as enfermeiras?
- Este é o problema, Doutor. Esqueci a documentação em casa.
- Temos um problema, Odete... Você pode ir até a sua casa e trazer os documentos.
- Moro longe, João.
- Que fique entre nós... Vou quebrar o protocolo e vacinar você. Segredo nosso...
- Você é um doce, joão.
- Quer provar-me?
- Odete sentiu um frio na nuca e calores profanos.
- Devo?...
- E porque não. Somos adultos e vacinados. Vou sair às 4 horas. Posso esperá-la na saída?
- Não sei se devo. Tenho medo.
- Medo de que, princesa?
- De suas intenções.
- São as melhores possíveis. Você vai ver.
- E quais seriam?
- Um exame detalhado e o mais completo possível.
- Dito e feito, Odete esperou Doutor João sair e foram para a casa do médico.
Antes pediu a João que aguardasse uns minutinhos. Queria passar na Igreja para pagar uma promessa.
- Vai demorar, minha linda?
- Coisa pouca... Só o tempo de acender uma vela para Santo Antonio.
- Você não precisa da intercessão do santo casamenteiro. Quer saber?... Vou com você para pedir perdão por quebrar o protocolo. Você sabe...
- O amor não tem protocolos, meu bem.
- Tem razão, querida. Seja o que Deus quiser.
No dia seguinte, uma amiga de Odete a parou na rua e sapecou: "O que que ouve com você, amiga? Está corada, com a pele translumbrante"
- Você não vai acreditar!...
- Fala, mulher...
- Tomei um tônico...
- Tônico?!... Que tônico é esse para te deixar assim viçosa, linda de morrer?
- Tônico Fontoura.
-Aquele remédio do tempo de Matusalém?
- Ele mesmo.
O estoque de Tônico Fontoura acabou em três tempos na cidade. As encomendadas só pararam quando a cidade viu Odete e Doutor João, colados, corados, dois pra lá, dois pra cá, no baile da Primavera.
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