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31/07/2016

AMOR PRIMEIRO
Eu era jovem, 17 anos, quando o teu irmão, meu amigo, me apresentou a ti. Foi um choque e me recordo que sorri sem jeito, fingindo uma naturalidade que me corou.
Estendi a mão suada e trêmula. Sorriu receptiva e o meu coração gelou. Não me recordo do diálogo breve. Sei que sorriu de alguma frase desconexa. Mas entendeu...
Depois fiquei lívido e naquele instante percebi que a minha vida nunca mais seria a mesma. Um raio me atingiu.
Mal nos despedimos e sorri do cupido que minha irmã citava como uma entidade verdadeira, porque combinava delicadeza e impiedade.
Se ele existe, fui alvo fácil e desprevenido.
Mudei. Virei visita constante na tua casa. Pretexto não me faltavam. Eu e teu irmão, além de amigos, estudávamos na mesma sala do mesmo ginásio.
Conquistei o coração de tua mãe e ela ao meu. Gostava dela como se gosta de uma segunda mãe. Tínhamos corações parecidos; almas gêmeas, como dizem.
Ensaiando minhas primeiras poesias, fui abrindo trilhas por teu coração não mais virgem. Sabia que amara outro e que recentemente haviam rompido. E que este amor primeiro chegara na frente do meu profundamente enciumado e entristecido.
Fui plantando poesias e elas te tocaram.
Os acordes do teu piano me arrancavam lágrimas que corajosamente retinha. Traíam-me os meus olhos fixos no teu rosto lindo.
Fiz o pedido. Fui aceito a apresentado ao paraíso.
Corri pra casa como um atleta campeão dos 100 metros rasos.
Pequei a garrafa de uísque do velho e me servi de um dose dupla. Por sorte não havia ninguém em casa. Pequei meu disco do The Platters, liguei a poderosa Telefunken e coloquei My Prayer. A música, misto de oração e lamento, como um punhal cravado fundo, chegou a doer.
O uísque fez efeito e os primeiros acordes do quinteto
molharam a minha camisa. Chorei de emoção e medo. Calado, quieto, a emoção escorria fácil, doce, salgada.
Não durou. O fantasma do outro me assombrava. Eu sabia que o meu amor primeiro era um bote em mar revolto. Apenas uma questão de tempo e ele seria tragado pelo grande mar - o grande mar da desilusão.
Não deu outra. Dois meses depois, com a tua costumeira e natural delicadeza, tu me disse não. Não seria mais possível.
Morri na tua frente.
Desta vez meu retorno para casa foi uma via crucis. Arrastei-me percorrendo todos os infernos.
Por muito tempo - muito mesmo - carreguei o fardo dos enganos.
Não há carga mais pesada. Virei um Atlas condenado ao castigo eterno. Suportei, vergado, um mundo de desamores.
O tempo tratou de mim. As feridas cicatrizaram. Lambi cada uma delas. O meu coração virou uma fera impiedosa comigo mesmo.
Desaprendi amar por muitos anos. Não havia tocaia que me surpreendesse nesta selva florida e enganosa. Fique duro, letal.
O canto das sereias soou de novo. Deixe-me levar e me precipitei novamente no abismo.
Vida que segue.
Hoje eu e você somos amigos. E se o desamor pensou que venceria, ledo engano.
Talvez tenha sido melhor assim. Porque o amor um dia acaba. E ainda que sobreviva, nunca mais será fogo. A brasa vai se apagando até sumir.
A amizade fica, permanece. É um amor que não se consome. Caminha lado a lado com a eternidade. E, segundo dizem, por esta e por todas as vidas.

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