Homenagem a um sobrinho do coração que breve vai cruzar o Atlântico num barco a remo.
CORDEL DO MENINO QUE REMAVA
Nasceu louro e branquinho
com olhos azuis demais.
Cresceu no Rio de janeiro
e um dia aportou nas Gerais.
Só pensava em jogar bola
vivia fugindo da escola
com preguiça de aprender.
Um dia tomou juízo e na vida
deu meia-volta-vou-ver.
Foi para Belo Horizonte
estudar no Izabela,
bem ao lado da praça
cujo nome é liberdade.
Me diga meu amigo
sem tem nome mais lindo
do que o nosso logradouro?
Porque não há um tesouro
que se compare à emoção
de ser livre e altaneiro
e de ser mineiro
na terra da liberdade
desta grande nação.
No Rio ficou a saudade,
os sonhos e a vontade
de ficar pra não sofrer.
Mas ele seguiu em frente,
decidido e valente,
queria pagar pra ver.
Dito e feito, não deu outra...
Caezito tomou jeito
e virou bom estudante.
Voltou pro Rio de Janeiro.
Tomou gosto e em direito
o moleque se formou.
Voltou pra casa correndo,
de tudo agora sabendo
de tudo um pouco mais.
Cultura nunca é demais.
E agora bem mais sabido
é Doutor de verdade
com pós-graduação.
Em muitas línguas versado
já sabe falar enrolado,
sem falar do português
que hoje domina arretado
de dar ciúme em letrado
cheio de ostentação.
Mas o saber contagia
e Caezito tomou gosto.
Queria mais e noite e dia,
nunca mais a contragosto,
mais estudava, mais lia,
e das leis se inteirava.
O Brasil ficou pequeno...
Vou-me embora pros states,
disse com opinião.
Romou pro aeroporto
e de mala, merenda e cuia,
sem pra trás virar o rosto,
guardou na mochila o desgosto
e partiu de carreirinha
pra fazer o estrangeiro.
Passou numa tal de Harvard,
universidade de aprumo
e com fama de excelência.
Caezito as noites virava
sem tempo de ir ao banheiro.
Fizesse sol, nevasse ou chovesse
não perdia o interesse,
comendo livro e sanduba
e de manhã bem cedinho,
mal mal a cara lavava,
ligeiro pra aula rumava.
O mestre só vigiando
quando Caezito emborcava.
Não sabia se o aluno dormia
ou o moleque viajava.
Depois da formatura e canudo
Caezito fez as malas e voltou.
Male e mau chegou em casa
e a caixa do correio lotou.
Proposta de emprego adoidado,
com direito a mordomia
em escritório renomado.
Analisados pesos e medidas,
pesado e repensado os poréns,
Caezito ouviu o canto da sereia
e mesmo com a cara feia,
pois São Paulo não é Rio,
encarou a empreitada
e aceitou o desafio
de fazer advocacia
em banca de prestígio.
E para tanto feito louco
mergulhou na papelada
sem tempo pra mais nada.
Lazer que é bom muito pouco,
virando noite e madrugada.
Só contrato complicado
e com muita grana envolvida.
Clientela graúda e fornida,
do Brasil e do estrangeiro,
que tinha mais dinheiro
do que letra em jornal.
Aí que saudade de casa,
das praias e do Fogão.
Minha estrela solitária
brilha no céu solidária
com o meu triste coração.
Caezito se rendeu à saudade
e pegou o primeiro avião.
O que fazer da vida agora?
Direito talvez queira ou não,
pensou lá com os seus botões.
Enquanto isto sonhava
cruzar o atlântico a nado,
de remo, vela ou pranchão.
Pois o melhor da aventura
quase não vale nada
se não tiver emoção.
Juntou uma turma da hora
e traçou uma rota maluca
no meio do grande mar.
Só que o barco é a remo
e no braço vai singrar
o grande mar-oceano
e volta, se não engano,
bem na hora do jantar.
Ponha o seu prato na mesa
que a fome é de além-mar.
O resto da história não conto
que a graça é o perguntar
no que deu a maluquice
de noite e dia remar
por um mar mais perigoso,
cheio de onda e procela,
do que olhar da donzela
que um dia vai te pegar.
Mas uma coisa eu te digo
meu curioso leitor:
mudo o meu nome pra Maria
se mais hoje ou amanhã,
bem ao raiar do dia,
lá no fim do horizonte
não aparecer um mastro
com a bandeira do Brasil.
E se barco vem ligeiro,
furando onda brejeiro
é Caezito voltando.
Vento na cara,
sorriso sobrando.
Eta moleque danado.
Poucos assim já se viu.
É Caezito chegando...
puta que pariu !...