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26/07/2018

Como eu disse, estou de mini férias na casa de meu filho. A preguiça me levou a fuçar em minhas lembranças e delas retirei este "causo"(o melhor) de meu saudoso sogro Joaquim.
Fernando Antônio de Carvalho
Hoje é dia da centenária Festa de Sant'Ana, em Guaraciaba, e o causo tem a ver...
OS CAUSOS DE JOAQUIM MEU SOGRO.
Em 1946 Joaquim foi para o Rio de Janeiro tentar melhor sorte trabalhando na sapataria de um amigo de seu irmão José Duarte.
A situação em Guaraciaba estava de amargar. Muitas dívidas no comércio, a sapataria rendendo quase nada e mais um agravante: os preços cobrado pelos consertos eram muito baixo. Joaquim permaneceu no Rio por 9 meses.
Pretendia ficar mais algum tempo, mas a contragosto teve que voltar à Guaraciaba. Edith estava muito doente. Dona Josefá, sua irmã, lhe mandara um telegrama informando o estado de saúde da mulher. Joaquim trocou correspondência com Orlando Jales e este lhe informou que Edith estava muito prostrada, com manchas roxas pelo corpo e muito abatida. Relatou também que havia levado Edith ao Dr. Kovac e este, após vários exames, concluiu que Edith estava bem. Aquele quadro se devia à saudade do marido. Brincou com Orlando Jales e lhe disse que o melhor remédio era a volta de Joaquim. Orlando Jales deu o recado e dias após meu sogro voltou.
Edith "sarou" em menos de uma semana. As manchas sumiram da noite para o dia. Tudo voltou ao normal e ela já estendia as roupas no varal cantando as modinhas de sempre, lépida e fagueira.
Joaquim pagou as dívidas no comércio e com amigos e a vida seguiu.
Mas a situação voltou a se agravar. Os meses foram passando e a sapataria rendia cada vez menos. As dívidas, de novo, aumentavam dia a dia.
Meses depois, a situação ficou insustentável. Os "penduras" no comércio fizeram aniversário.
Certa noite, sentados na cama, Joaquim e Edith comentaram a gravidade da situação. Edith disse então a Joaquim que a festa de Urucânia estava próxima e lhe sugeriu comprar terços, retratos de santos, pentes, espelhos e outras quinquilharias para vender na famosa festa religiosa da cidade vizinha.
A festa de Urucânia rivalizava com a não menos famosa festa de Nossa Senhora de Santana em Guaraciaba.
Com que dinheiro? - perguntou Joaquim. Edith sugeriu pedir um empréstimo a Orlando Jales. Ele relutou mas foi ao encontro de Orlando. Prestimoso como sempre, Orlando prontamente arranjou uma pequena quantia, de modo que o meu sogro pudesse comprar os terço e as bugigangas. O comércio de Guaraciaba era carente e assim meu sogro arrumou um cavalo e foi para Ponte Nova. Comprou os pentes, espelhinhos, os retratos de santos que encontrou e outras miudezas. E os terços? Só com o vigário. Direto para a igreja, procurou pelo pároco que era seu amigo. Joaquim deu azar. O padre viajara por motivo de força maior, deixando um outro em seu lugar. Este lhe informou que o vigário havia incumbido o gerente do Banco do Brasil (não me recordo do seu nome...) de vender os terços, algumas imagens pequenas e retratos de santos. O bancário era o braço direito do pároco e também muito amigo de Joaquim.
Mas como desgraça pouca é bobagem, o gerente só lhe vendeu 1 dúzia de terços e uns poucos exemplares dos produtos citados. Explicou a Joaquim que o estoque de peças estava muito baixo e que ele não poderia vender-lhe mais peças em prejuízo de muitas outras pessoas também interessadas na festa de Urucânia.
Fazer o quê... Joaquim comprou o que pôde e partiu ligeiro em direção a Urucânia.
A festa já havia começado. A estrada praticamente intransitável. Milhares de fiéis, carros, carroças, charrestes e montarias. Sogrão viu que não chegaria a tempo de arrumar um espaço para expor as mercadorias. Assim como na festa de Santana, Urucânia superlotava. Uma nesga de calçada era praticamente impossível de se conseguir. O que fazer? Observou que muitos outros vendedores rumavam para a cidade.
Mas a dificuldade é uma das mães da criatividade. Joaquim achou a solução. Pensou e agiu. Foi ao encontro dos vendedores, informou-se dos preços das mercadorias e ofereceu o dobro pelos lotes que lhe interessavam. Enquanto uns relutavam outros tantos aceitaram a oferta.
Negócio fechado, Joaquim disparou no meio do povo com duas malas na mão e chegou a Urucânia botando os bofes pra fora. A custo conseguiu uma beirinha na calçada, armou sua barraquinha improvisada e expôs as mercadorias. Uma venda atrás da outra. Quando se deu conta, não havia mais o que vender. E agora? Sair do ponto e pronto...o ponto era de quem chegasse. Safo, contratou o primeiro caboclo forte disponível, deu a metade da quantia combinada para marcar o lugar de sua banca e disparou para a estrada a fim de interceptar os vendedores concorrentes. Usou o mesmo expediente, pagando o dobro pelas mercadorias. Assim como antes, muitos concordaram: conseguiram 100% de lucro, ficaram livres da confusão e do tumulto da cidade, além de pouparem com comida e acomodação.
De volta ao ponto, pagou a metade restante ao caboclo e começou o toma-lá-dá-cá. Aqui um terço, ali mais três; tome sua imagem, senhora. Aqui o seu espelho, senhor. E tome pente e espelho e mais terço e mais isto e aquilo...As notas eram emboladas e colocadas nos bolsos do paletó e da calça e onde mais coubessem. Em poucos horas e o estoque zerou.
Joaquim sentou no meio-fio e chorou. Fez uma prece para Nossa Senhora de Santana, vendeu as malas e tomou o rumo de Guaraciaba com o peito em festa e o coração a gargalhar.
Chegou à noitinha. Imediatamente chamou Edith com um sorriso de orelha a orelha, pedindo que ela se sentasse a seu lado na cama, e que retirasse a colcha. Começou a jogar os bolos de notas em cima da cama. O dinheiro formou uma pirâmide de quase meio metro de altura. Desembolaram as notas uma a uma, contaram e a féria rendeu não sei quantos mil cruzeiros. Uma bolada! Rezaram um terço em agradecimento e foram dormir o sono dos justos.
No dia seguinte Joaquim saiu pagando a Deus e o mundo. Ficou mais uns meses em Guaraciaba e tomou a decisão de mudar-se para Belo Horizonte. Estava cansado de lutar em Guaraciaba. Não queria mais as recorrentes crises financeiras.
Dito e feito. Em dezembro de 1947, Joaquim, Edith e os filhos José, Joaquim e Ana Maria desembarcaram em BH, de mala e cuia.

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